05 Jan 2023
Vamos recordar alguns aspectos básicos da gravidez. Devemos discorrer sobre o que chamamos de estirões do crescimento fetal em ordem cronológica, utilizando a datação da clínica obstétrica (tempo de amenorreia). Não utilizem a datação do geneticista (tempo de fecundação). Os relatórios devem referir sempre o tempo de amenorreia e as tabelas de biometria ecográfica são corrigidas para o tempo de amenorreia. Lembrem-se: os exames são dirigidos aos obstetras e não aos geneticistas.
 
Os equipamentos de ultrassonografia utilizam os tempos de amenorreia, por determinação da obstetrícia clínica. O exame no período embrionário é útil para fazer a correção da idade gestacional, pois o erro de data é frequente. Em 10 a 15% das gestantes, a ovulação ocorre em dias diferentes do esperado, além das questões relacionadas com os distúrbios menstruais. Uma vez corrigido o tempo de amenorreia (tempo clínico de gravidez), teremos uma data corrigida da última menstruação e uma data correta para 40 semanas, imutável e válida para toda a gravidez, necessária para a vigilância do desenvolvimento fetal.
 
Alguns pacientes fazem confusão com a datação. Leem na internet textos de genética e calculam a idade gestacional pelo tempo de fecundação. Discordam do cálculo feito pelo ecografista e polemizam de forma agressiva, com a cátedra outorgada pelo Google.
 
A gestação dura no máximo 42 semanas, mas a data do parto é calculada para 40 semanas, por segurança. Podemos dividir a gravidez em três intervalos de 14 semanas (“trimestres”). No primeiro trimestre temos a embriogênese e o desenvolvimento primário dos órgãos. No segundo, temos o desenvolvimento secundário dos órgãos e o início da ma- turação orgânica. No terceiro, temos o final da maturação orgânica e o acúmulo de energia (glicogênio hepático, tecido adiposo e tecido muscular).
 
O primeiro trimestre pode ser dividido em quatro intervalos de tempo:
• Primeira e segunda semana: fase folicular do ciclo ovariano, ovulação e fecundação.
• Terceira e quarta semana: é a gravidez pré-clínica (também chamada gravidez química
devido ao beta-hCG positivo no dia 26 do ciclo). Ocorre a implantação do ovo e o desenvolvimento do saco gestacional, do disco embrionário, da vesícula vitelina (alguns falam vitelínica) e da vesícula amniótica.
• Quinta à décima semana: gravidez clínica (quinta semana em diante) e período da em- briogênese (até um CCN de 30 mm).
• Décima primeira à décima quarta semana: é o período fetal do primeiro trimestre (CCN entre 31 e 84 mm).
 
Na questão do aborto, temos o aborto pré-clínico (até quatro semanas), quando 50% dos ovos são perdidos, e o aborto clínico (quinta à vigésima segunda semana ou recém- -nascido com até 499 gramas), quando 15% das gestações são perdidas. Portanto, de cada 100 ovos fecundados, apenas 42 ultrapassam as 22 semanas.
 
É uma seleção natural rigorosa visando eliminar as gestações com doenças graves e inviáveis, onde a principal causa é uma anomalia genética, e a segunda, uma infecção. As demais causas são fatores ambientais (teratogênese) e fatores maternos (trombofilia, do- enças autoimunes, doenças haloimunes, doenças orgânicas, fatores uterinos, corpo lúteo etc.). Isso sem considerarmos os óbitos fetais após a 22a semana e os óbitos neonatais até 28 dias, devido às doenças fetais e maternas (hipertensão, por exemplo).
 
Não se esqueça da contagem linear do tempo. O dia 1 é sempre o primeiro dia do intervalo seguinte. O próximo dia 1 de janeiro será o primeiro dia do primeiro mês do pró- ximo ano. Treze semanas e um dia: primeiro dia da décima quarta semana.
 
O erro mais hilariante cometido com a questão da contagem linear do tempo foi a virada do milênio. O terceiro milênio começou no dia primeiro de janeiro de 2001 (primeiro dia do primeiro mês do primeiro ano do terceiro milênio). Muitos comemoraram a virada no dia 31/01/99, considerando o ano dois mil como sendo o primeiro ano do terceiro milênio, na verdade foi o último do segundo (final zero).
 
A confusão começou com o “bug do milênio” na computação. Por economia de dígitos, utilizavam-se as datas com pares de números: 31/01/99 e não 31/01/1999. Veio assim a grande bobagem: o ano 00 poderia causar uma paralisia das redes de computação, pois poderia significar tanto 1900 quanto 2000. Não há limites para a estupidez, pois 99 poderia ser tanto 1899 quanto 1999 e assim por diante, e não aconteceu nada com os computado- res, os quais foram corrigidos para utilizar quatro dígitos para o ano. Para eliminar possíveis confusões, devemos utilizar a datação do ano corretamente com os quatro dígitos.
 
Por que estou insistindo na questão da contagem linear do tempo?
 
Oras bolas! Ainda existem muitos colegas que esqueceram que a contagem do tempo é uma sucessão linear de segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milênios etc. É uma estupidez, mas acontece regularmente.
 
Por exemplo: realizam a primeira ecografia e datam com 12 semanas. A paciente volta dentro de 10 semanas (12 + 10 = 22 semanas) e datam com 23 semanas. A paciente volta outra vez dentro de 8 semanas (12 + 10 + 8 = 30 semanas) e datam com 33 semanas. A partir daí a paciente passa a ter três datas diferentes para o parto e a confusão está ins- talada. A conclusão correta: feto de 30 semanas (12 + 10 + 8 semanas) com velocidade de crescimento acima da média. É um feto de 30 semanas de idade com tamanho equivalente
 
 a um feto de 33 semanas. Pode ser um feto grande constitucional (50% dos casos) ou cres- cimento acelerado devido a diabetes materno (40% dos casos) ou erro de data induzido pela paciente (10% dos casos, não sabe a data e não veio fazer exame na primeira metade da gestação). Nesse último caso, o ecografista vai datar com 33 semanas uma gravidez de 30 semanas, porque não conta com dados prévios confiáveis e, se não for atento e obsessivo, vai errar a idade do feto.
 
O raciocínio é exatamente o mesmo para o contrário, quando o feto tem velocidade de crescimento abaixo da média (feto pequeno constitucional) ou quando está desacelerado devido a doenças (fatores intrínsecos, fatores extrínsecos ou fatores mistos).
 
Os estirões do crescimento fetal ocorrem em alguns órgãos e/ou tecidos em momentos especiais do desenvolvimento do concepto. Assim temos:
 
Primeiro estirão: da quinta à sétima semana
 
Desenvolvimento do sistema cardiovascular para suprir a organogênese.
 
Nesse período a ecografia demonstra um embrião medindo entre 1,5 e 10 mm que é quase só coração na imagem.
 
Nas últimas três semanas do desenvolvimento embrionário (CCN entre 15 e 30 mm) a organogênese atinge o seu ápice. 
As trocas embriomaternas são feitas pela circulação onfalomesentérica (vesícula vitelina entre cinco e oito semanas) e pela circulação umbilical (vilosidades coriônicas entre sete e dez semanas).
A embriogênese acelerada e os dois sistemas circulatórios provocam uma sobrecarga cardiovascular, elevando a frequência cardíaca para valores entre 150 e 200 bpm (entre oito e dez semanas). Uma bradicardia nesse momento é preocupante.
 
Segundo estirão: da oitava à décima segunda semana
 
Organogênese final e desenvolvimento acelerado do sistema digestório abdominal (esôfago, estômago, intestinos, fígado, sistema biliar, pâncreas e baço).
 
O desenvolvimento desses órgãos supera a capacidade da cavidade abdominal, provocando o vazamento do intestino para dentro do cordão umbilical, através do anel umbilical que ainda está aberto (hérnia umbilical fisiológica, não é onfalocele). A rotação intestinal e o crescimento da parede abdominal levam à involução da hérnia umbilical na décima segunda semana.
 
 
     
 
 
A hérnia umbilical fisiológica transitória.
A: feto de 10,5 semanas. Corte transversal do abdome na altura do cordão umbilical. Alças intestinais dentro do cordão umbilical.
B: feto de 11 semanas. Imagem 3D mostrando a emergência do cordão umbilical com o abaulamento provocado pela hérnia umbilical fisiológica transitória.